O objeto de discussão deste artigo é o contrato de locação de shopping center, classificado como um contrato de locação não residencial subordinado à Lei nº 8.245/1991, que dispõe sobre a locação urbana de uma forma geral; esse tipo de contrato pode conter algumas ilegalidades a respeito de multa excessiva no caso de rescisão por parte do lojista, conforme demostra-se no presente artigo.
Primeiramente, há uma liberdade contratual nos contratos de shopping center, prevista pelo artigo 54 da Lei de locações, que permite a sobrevivência desses empreendimentos. Como por exemplo, o aluguel a ser cobrado em dobro no mês de dezembro devido ao maior movimento no final do ano, o sistema de aluguel onde é estabelecido um valor mínimo e o aluguel percentual da renda do estabelecimento, onde será cobrado o maior entre estes dois valores, ou até mesmo uma cláusula que obrigue o locatário a se inscrever na Associação de Lojistas do shopping em que reside. Portanto, há uma certa liberdade contratual entre as partes.
Todavia, os princípios contratuais, que devem estar presentes não só neste, mas em todo e qualquer tipo de contrato, devem ser respeitados sob pena de nulidade do contrato. Ademais, os principais princípios são o da boa- fé, prevendo a boa- fé entre os contratantes, o princípio da autonomia da vontade, representando a liberdade e também a vontade de contratar, o princípio do consensualismo, este prevendo que o contrato deve nascer de um consenso entre as partes, entre outros.
Nesse sentido, relaciona-se a nulidade da multa contratual com os princípios; a referida multa geralmente está prevista no conteúdo de uma cláusula penal, para desencorajar o lojista a fazer isso, ou de uma cláusula que a prevê como uma multa compensatória, para garantir a sobrevivência econômica do shopping no período em que não haverá mais um locatário ocupando aquele espaço em específico. O problema em relação a esta multa não é a presença dela no contrato, o que é compreensível, mas muitas vezes o valor desta ser alto demais ou até mesmo o tempo pelo qual ela se estende, e estes problemas, na maioria dos casos, vão contra o princípio da probidade e da boa- fé, que são princípios contratuais, o que, em tese, implica na irregularidade da multa.
No caso da multa ser muito alta, como por exemplo, ela ser correspondente a 50% sobre o valor da soma de X alugueres mínimos mensais, fere o princípio da boa-fé e também da função social do contrato. Em um outro cenário, a multa pode ser caracterizada como compensatória e se estender após um novo lojista ocupar o espaço que fora desocupado pelo que está pagando a multa, também fere os princípios contratuais a que nos referimos anteriormente e também pode caracterizar um enriquecimento sem causa por parte do shopping, visto que não há mais um motivo para continuar cobrando a multa, já que um novo lojista já está ocupando o espaço que se encontrava vazio.
Conforme apontam pesquisas feitas através de jurisprudências para identificar o entendimento dos tribunais a respeito deste tema, tanto o alto valor incidente na multa quanto o tempo pelo qual esta será aplicada, podem ser diminuídos, caso o juízo competente entenda que é necessário que assim o faça. Isso se torna possível tendo como base o art. 413 do Código Civil, que dispõe o seguinte:
“Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.” (Grifo nosso).
Para demonstrar na prática o conteúdo deste artigo, pode- se ter como exemplo uma jurisprudência do Tribunal de Justiça do Paraná, do dia 21 de outubro de 2015, onde havia uma multa contratual desta mesma natureza, correspondente a 50% do valor da soma dos alugueres mínimos mensais a serem pagos e os magistrados responsáveis pelo processo decidiram por reduzi- la a apenas 15% do referido valor, tendo como base os mesmos argumentos aqui expostos, como o princípio da boa- fé e fazendo uso do poder que é conferido aos magistrados através do artigo 413, CC. (TJ-PR – APL: 13783783 PR 1378378-3 (Acórdão), Relator: Mário Helton Jorge, Data de Julgamento: 21/10/2015, 12ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1689 13/11/2015)
Outro exemplo, a jurisprudência, essa ainda mais recente que a anterior, do Tribunal de Justiça de São Paulo, do dia 25 de junho de 2018, onde havia também uma multa desta mesma natureza e que correspondia a 15 vezes o valor do aluguel, o juiz competente reduziu o valor da multa, de 15 alugueres para apenas 3, tendo em vista que o magistrado entendeu a multa como excessiva e ensejaria em enriquecimento sem causa por parte do shopping, observando que em apenas 2 meses o espaço fora realocado. (TJ-SP 10066003220168260625 SP 1006600-32.2016.8.26.0625, Relator: Carmen Lucia da Silva, Data de Julgamento: 25/06/2018, 25ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/06/2018)
Portanto, conclui- se que quando se trata de um contrato de locação de shopping center, há certas particularidades presentes no contrato e sempre deve- se observar os princípios contratuais, o que se aplica perfeitamente no caso desta cláusula de multa abusiva no caso de rescisão unilateral por parte do locatário, onde é possível a redução da multa por parte do juiz, tornando a relação contratual muito mais equilibrada e mais justa.